abr 07

Quando o processo de desligamento da TV analógica se iniciou, havia uma grande expectativa sobre como seria a reação da população ao fim das transmissões. A primeira experiência ocorreu há pouco mais de um mês em Rio Verde (GO), e o resultado não poderia ser mais surpreendente: nenhum protesto ou reclamação. Segundo Antônio Carlos Martelleto (foto acima), presidente da Entidade Administradora da Digitalização (EAD), empresa gerida pelas empresas de telecomunicações e que cuida do processo de desligamento em cada uma das cerca de 1,4 mil cidades que passarão por esse processo até 2018, havia uma expectativa de um grande volume de reclamações ou, pelo menos, de grande procura por decodificadores. A EAD, diz ele, se preparou para o “dia seguinte”, reforçando os pontos de distribuição na cidade e o atendimento telefônico. Mas, para surpresa geral, o volume de pessoas em busca do equipamento ou de ligações diminuiu drasticamente, e não houve nenhum registro de reclamação. “Temos agora a ferramenta mais eficiente de divulgação do desligamento, que é a cartela que fica permanentemente sendo exibida no sinal analógico, com o aviso do ministério e o número de contato. E mesmo assim a procura tem sido mínima”, diz o executivo. Isso, segundo ele, mostra que houve sucesso na divulgação feita na cidade e no esforço não apenas da EAD, mas das emissoras e lideranças municipais que se empenharam no processo.

A EAD espera poder tirar a estrutura de Rio Verde até o final de abril. “Hoje distribuímos menos de dez receptores por dia na cidade”, diz Martelleto. “Mas acho que Brasília será a prova dos nove, ainda mais com um cenário de degradação da situação econômica. Aí teremos um quadro mais claro”. Martelleto concedeu entrevista exclusiva a este noticiário na semana passada.

Pesquisa final

Segundo Martelleto, será agora realizada uma pesquisa para entender como foi o processo de digitalização para a população de Rio Verde. A EAD quer entender qual o uso que as pessoas que receberam o decodificador estão fazendo do aparelho (se está instalado, se estão sendo usados os recursos disponíveis, se o equipamento foi doado para terceiros ou vendido), quer entender o que aconteceu com a população que supostamente não migrou para a TV digital (em Rio Verde algo em torno de 15% das residências, segundo a última pesquisa antes do desligamento), quais os canais de divulgação foram mais importantes, entre outras questões. “Essa pesquisa será essencial para todo o processo nas grandes cidades que já iniciamos”, disse ele.

Martelleto também comentou a mudança proposta pelo governo de alterar o critério de desligamento. Em fevereiro o ministro das Comunicações, André Figueiredo, e o Gired decidiram, a partir de um acordo entre teles e emissoras de TV, que não mais iriam obrigar o desligamento em todas as cidades brasileiras até 2018, mas apenas nas cidades em que isso fosse essencial para a liberação do espectro. Em compensação, ampliou-se a distribuição das caixas receptoras aos inscritos no Cadastro Único.

Equilíbrio financeiro

“Tínhamos no edital uma referência de 14 milhões de domicílios que receberiam os decodificadores. Depois disso se definiu por uma caixa completa, mais cara, para ser distribuída ao Bolsa Família, mas ao mesmo tempo houve um esforço para garantir o equilíbrio do orçamento da EAD. É por isso que, nas condições de hoje, de câmbio, as caixas do CadÚnico são mais simples. Temos custos de pesquisa e comunicação que sequer estavam previstos no edital (da faixa de 700 MHz)”, afirmou o executivo. Hoje, segundo a EAD, nas 61 regiões que serão digitalizadas serão distribuídas perto de 13 milhões de caixas, com um orçamento de cerca de R$ 3,6 bilhões, com cerca de 60 funcionários fixos na sede em São Paulo e equipes volantes nas cidades que estão sendo desligadas. “Os números da EAD serão auditados pelo Gired, e não existe economia, porque o que sobrar vai ser direcionado, mas não volta para as operadoras. Mas para ampliar os recursos disponíveis, teria que haver uma justificativa irrefutável. O equilíbrio da EAD é premissa básica”.

Segundo Martelleto, insistir em uma distribuição ampla de uma caixa completa apenas ao Bolsa Família seria, provavelmente, menos eficiente do que foi ampliar a base. Nenhum país do mundo, diz ele, conseguiu passar de 70% do público alvo com campanhas de distribuição de equipamentos, mas até aqui o Brasil vem batendo esse valor de referência. “Em Rio Verde chegamos a 85% no Bolsa Família, onde o esforço foi concentrado. No entorno de Brasília já estamos com 70% do Bolsa Família”.

Novo modelo

Martelleto conta que, agora, o Gired e a EAD estão estudando a possibilidade de distribuir vouchers para a compra de equipamentos, inclusive para televisores, desde que se viabilize um nível de desoneração. “Isso de alguma maneira ajuda nessa discussão sobre interatividade, porque o consumidor terá mais liberdade para escolher o que quiser”. Segundo ele, existe sempre o risco de que o voucher virar moeda corrente. “Vamos estudar os prós e contras e apresentar isso para o Gired”.

Em relação ao fato de que, na prática, com uma distribuição ampla de uma caixa sem recurso de interatividade haveria uma limitação de um dos pilares do modelo de TV digital implementado em 2006, Martelleto diz que, de fato, hoje os aplicativos do Ministério do Desenvolvimento Social para smartphones, por exemplo, são muito mais eficientes. “Há uma dificuldade inicial, que é o fato de que o firmware da caixa ainda não permitir a atualização ‘over the air’. Depois que esse recurso for implementado, o que deve acontecer em breve, segundo os fabricantes, é necessário que as emissoras se organizem para que os aplicativos sejam atualizados pela própria rede. Não é um processo que depende da EAD”. Ele lembra ainda que o decoder, no custo que hoje é viável (entre R$ 80 e R$ 160, entre a caixa simples e a caixa completa, já com os impostos) , há limites de capacidade porque a memória precisa ser compartilhada entre diversos aplicativos.

Remanejamento

A EAD ainda não precisou se deparar com a necessidade de trocar os transmissores de emissoras de TV que operam na faixa de 700 MHz, um problema que será mais comum nas grandes cidades. Segundo Martelleto, haverá uma troca agora na cidade de Santa Helena (GO), próxima a Rio Verde, em que há um canal na faixa que interfere na cidade. Ele explica que a avaliação dessas situações será feita junto às emissoras, caso a caso, e que ao contrário das caixas, não deve haver necessariamente uma grande compra de equipamentos por parte da EAD. A entidade deve procurar as emissoras de cada localidade e verificar o que será necessário, caso a caso. “Claro que vamos tentar agregar o que for possível para ter uma negociação, mas será um processo bem mais customizado. O que estamos fazendo é uma estimativa de custos para as cidades em que será preciso fazer esse remanejamento e estudando onde também isso não será necessário, para que as operadoras possam entrar com o LTE ainda este ano”, diz Martelleto. “Não acho que esse será um desafio muito crítico, pois existem já consensos com os radiodifusores sobre as responsabilidades. Acho que na questão técnica está tudo indo bem”.

Interferência

“O próximo passo será começar a tratar da questão de mitigação de interferências, mas as indicações que a gente tem, inclusive de outros processos, é que esse deve ser um problema bem menor do que a gente estimou inicialmente”, diz Martelleto, referindo-se ao problema de interferência das transmissões de LTE na faixa de 700 MHz e a recepção de TV digital.

Ele explica que o esforço de mitigação terá uma atividade mais intensiva apenas depois que as operações de LTE comerciais estiverem ativadas, o que significa que a EAD volta a cada cidade já visitada num segundo momento para essa etapa.

Cobertura deficiente

A EAD percebeu até aqui que existe um problema a ser observado nas cidades, referente a deficiências na cobertura do sinal de TV aberta. Segundo Martelleto, o avanço da banda C nas últimas décadas tem a ver com esse problema, que não é dimensionado pelo Ministério das Comunicações nem acompanhado pelas autoridades. “As pessoas sempre recorreram à banda C para compensar a falta de sinal de TV. Nos últimos anos, na renovação de parque, as pessoas estão optando pelas opções oferecidas pelas operadoras de DTH, que oferecem os canais abertos sem assinatura para quem tem o equipamento”, diz ele. Mas para a EAD isso é um problema, porque existe uma polêmica sobre se o domicílio que está na área de cobertura de uma emissora, mas não recebe o sinal, deve ser contabilizado.

“O que vamos propor, e eu sei que isso será polêmico, é uma discussão sobre a cobertura digital. A nossa proposta é que se não houver cobertura de um determinado número de emissoras em uma região, esses domicílios não sejam incluídos na pesquisa e, portanto, na obrigação de distribuição de receptores”, diz ele. A razão para isso, diz Martelleto, é que em muitos casos poderá ser feito um investimento que, na prática, atende a apenas uma emissora, ou nem isso. “Se não existe interesse da radiodifusão de cobrir com sinal aberto esses domicílios, por que nós vamos manter o esforço de pesquisar essa região?”. Segundo Martelleto essa proposta não foi feita ainda, e quando vier será acompanhada de um estudo prévio mostrando onde o problema existe. “A cobertura (da TV digital) tem que ser uma premissa para a migração”. Para ele, “a radiodifusão vive um dilema de ter que investir em digitalização sem possivelmente ter nenhuma receita adicional com isso. Ao contrário, vem perdendo receita”. Mas, segundo Martelleto, “o alongamento do prazo de desligamento de grande parte das cidades para 2023 deve ajudar um pouco”.

Comunicação local

Martelleto relata que os canais de comunicação tradicionais, sobretudo a própria TV, tem uma grande importância para a mobilização no processo de desligamento. “Houve, em Rio Verde, um investimento pesado da EAD em mídia local. A próp TV Anhanguera foi importante nesse processo”, diz ele, lembrando que esse investimento faz parte da própria estratégia de comunicação definida pelo Gired e que será mantida nas grandes cidades, em que o custo das inserções publicitárias é maior. Mas o que mais funciona para alcançar o público de baixa renda, segundo Martelleto, é buscar a proximidade com lideranças comunitárias e organizações de assistência social. “É esse boca-a-boca que faz as pessoas nos procurarem para saber do direito que elas têm de receber os receptores de TV digital”. Segundo a EAD, 0 trabalho de mapeamento destas lideranças é o grande desafio da migração. O processo começa buscando as grandes ONGs, igrejas e associações de assistência que têm os contatos com as pequenas associações de bairros e líderes comunitários. “A gente faz apresentações durante missas e cultos sobre o processo de migração”, diz Martelleto. “As principais informações sobre os beneficiários quem tem e controla são as secretarias de assistência social dos municípios, secretarias de saúde e os centros de referência de assistência. O Ministério do Desenvolvimento Social tem os dados globais, mas não acompanha o micro, e esse levantamento é bastante trabalhoso, mas é a base de sustentação de tudo”.

Logística

A EAD criou uma metodologia de distribuição das caixas por agendamento, com dias e horários marcados. Na hora, são copiados os documentos do beneficiário e dado um treinamento básico de uso. Mas Martelleto reconhece que muitas pessoas não têm conhecimento suficiente sobre o que está acontecendo, sabem apenas que aquele é um direito e é gratuito. “Quando passamos a distribuir os kits também para o CadÚnico em Rio Verde, que seriam mais 17 mil pessoas, notamos que houve pouca procura, porque provavelmente já tinham um aparelho, e o índice de digitalização geral na cidade aumentou muito pouco. Mas não dá para dizer que a caixa de TV digital seja um objeto do desejo”. Segundo ele, a partir de agora a EAD vai começar a pesquisar o perfil dos beneficiários na entrega, para entender quais são os equipamentos de comunicação mais utilizados e o grau de conhecimento de TV digital.

Um aspecto importante é que a EAD, no processo de agendamento, fica com um cadastro atualizado dos números de celular dos beneficiários. Segundo Martelleto, a entidade tem um compromisso legal, definido pelo Gired, de confidencialidade dessas informações, que não são compartilhadas com ninguém, exceto o Ministério do Desenvolvimento Social. Os dados não podem ser compartilhadas pelas operadoras móveis para nenhuma ação de marketing.

Próximos passos

Agora a EAD aguarda o decreto com a mudança da política de transição, até para que a data final deixe de ser 2018 e passe a ser 2023. “Há um pequeno cronograma, mas provavelmente em julho começamos a fazer a distribuição dos kits em São Paulo”.

Martelleto ressalta o esforço do Gired e do governo em conseguir manter o desligamento em Rio Verde. “Muita gente me disse que isso não aconteceria, e eu mesmo duvidei em alguns momento, mas é preciso dar crédito ao ministro em bancar o ônus político. Agora, com o desligamento de Rio Verde, temos uma credencial para apresentar e conseguimos provar que o desligamento será possível, mesmo em grandes cidades”.

Fonte: Tela Viva

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